11/11/13



            " Achill "


Deito-me e imagino a primeira luz a raiar a baía,
Depois de mais uma noite de erosão, mais perto da tumba.
Então, levanto-me e olho pela janela, ao romper do dia,
Enquanto uma pardela rasa o ápice de uma onda prestes a rebentar,
E penso no meu filho, golfinho no Egeu,
Elfo por entre velas, brilhante como lâmina no vento sazonal,
E queria que ele aqui estivesse, onde os botes cruzam o mar,
Para apaziguar com a sua voz a solidão encarcerada dentro de mim.

Sento-me numa pedra, depois do almoço, e olho a claridade do sol
Por entre a neblina, pérola de uma lâmpada, sobriamente feroz;
Um aguaceiro escurece por momentos o xisto,
Depois afasta-se, dispersando manchas negras como abrunhos.
Croagh Patrick ergue-se, como Naxos, acima da água,
E penso na minha filha, no trabalho duro da sua arte.
Queria que ela aqui estivesse comigo, agora, entre tordo e tarambola,
Tomilho-bravo e estancadeira, para abrandar o peso do meu coração.

Os jovens sentam-se, a fumar, a rir, sobre a ponte, ao final da tarde,
Como pássaros pousados num fio de telefone, ou notas musicais numa pauta.
O silvo de uma flauta no salão. Chove de novo,
O fumo da turfa oscila, soa o vento sob a porta;
E eu deito-me, a imaginar as luzes que se ligam no porto
De Náousa, com seu casario branco, claramente definido na noite.
Queria que aqui estivesses, para me desviares do meu labor desconsolado,
Enquanto passo os olhos numas quantas páginas efémeras e apago a luz.


   Mahon, Derek. Estradas Secundárias, Doze Poetas Irlandeses. Lisboa: Artefacto, 2013, p 65 ( Selecção, Posfácio e Tradução de Hugo Pinto Santos)
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