03/11/13



                                XV


[ O3.00h, 3 garrafas de vinho e exaustão ] 
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B.I.:) Sou de chorar: lugares-comuns em filmes
irrelevantes; actos de heroísmo vendáveis em
múltiplos; sofrimentos com rosto; inteligências ou
sensibilidades incompreendidas; solidões;
abandonos (a mesma coisa - uma solidão, mesmo
empenhada, é sempre um abandono, muitos);
memórias irrepetíveis e os seus ecos (The way we
were, still crazy after all these years, formulações
sintéticas em cançonetas); o sexo como
entrega/ abandono/ achamento/ epifania - as
melhores lágrimas, as mais confusas, inexplicáveis,
totais. Sermos livres dá vergonha por sermos
presos. Na mesma medida em que sermos presos
dá vergonha por sermos livres. As mulheres têm
vergonha de ser homens. Os homens têm vergonha
de ser mulheres. Todos temos vergonha de sermos
pessoas. Humanos. Só. Completamente. E, lá no
fundo, digamo-nos crentes ou ateus ou tudo o que
há no meio, sabemos quem pôs em nós essa
vergonha - o sacana que não conseguimos deixar
de amar mais do que a nós mesmos. Deus. Um
nome que é toda (um)a tesão. E que, para mim, tem
o teu rosto, tuas mãos, teus pés, teus joelhos, tua
nuca, teu cuspo, tua merda, o teu olhar perdido no
horizonte, uma melodia que se apoderou dos meus
ouvidos e do meu cérebro como se vinda
ininterruptamente dos teus lábios, que me
perseguem como um cão misterioso.

Foda-se - desculpem-me - mas é a isto que se
chama Amor!


   Martins, Miguel. Cãibra. Amadora: Ediresistência, 2012, pp 31 - 32.
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