12/12/13

 
 
 
     Tinha o seu passaporte de emigrante, foi a Lisboa revalidá-lo. Voltou à aldeia triste, em que agora, com a invasão da floresta, se ouviam todas as noites uivar os lobos, esperar que lhe chegasse vez no barco negreiro. Não tardou que recebesse o aviso. Despediu-se, rosto iluminado por um clarão, que irradiava como uma aurora.
     - Aperta-me bem ao teu coração, meu filho, que não o tornas a ouvir bater! - gemeu o velho.
     - Qual, em menos de seis meses estou de volta.
     - Não te vejo mais! - e carpia-se e quase o estorcegava nos braços. Como era mais alto, regava-o ao mesmo tempo com lágrimas.
     Embarcou na camioneta da carreira, com a malinha de fibra como viera, estranho, corajoso, possuído duma serenidade fora do seu lugar e do tempo.
     - Desgraçado de quem é português! - exclamou o Jaime.
     - Mil diabos te levem! - redarguiu o avô. - A vida fazemo-la nós. Quem diz vida, diz nação. À morte os vendilhões!
     Ficaram na casinha velha, em suspenso, à espera como no cimo dum cabeço, cercado pelas cheias, de olhos arregalados para o horizonte.


   Ribeiro, Aquilino. Quando os Lobos Uivam. Amadora: Livraria Bertrand, 1974, p 393.
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